Libertologia e J.Marins: o que é o inocente útil?


Conforme a sociedade evolui e busca se iluminar, assumindo posições, trazendo inovações e se dinamizando, um grupo social vem se destacando: os inocentes úteis. São pessoas singulares. Na grande maioria das vezes são pessoas simpáticas, educadas, parceiras e, sobretudo, pacientes com capacidade de suportar tudo. Desde os aproveitadores que plantam bananeira sobre seus ombros, até sabidões que sapateiam em cima dos seus princípios.

O inocente útil está em toda parte e segue caninamente a cartilha que lhe é entregue por quem quer lucrar em cima dele. O inocente útil ama, idolatra e venera - em todas as línguas e dialetos, a tecnologia. Dogmaticamente, é capaz de passar horas a fio diante da televisão, do laptop e do celular, recebendo informações prontas como bolos feitos com margarina misturada com sebo, mas foge de qualquer debate tete-a-tete, e tem pavor de livros. Bibliotecas para ele são como templos de demônios. Mera interlocução com troca de opiniões, conforme condicionou-se, assemelha-se a um perigoso conclave maligno. Mal sabe que o brocardo 'conhecimento é poder' vale mais do que mil toneladas de ouro, pois, desde os tempos de Herodes, se não souber escavar, não conseguirá nada além de calos nos dedos e poeira nas roupas. O inocente útil repete o que a tecnologia  e os seus patrões lhe enfiam na mente na base da enxada, como se aquela informação fosse verdade imutável. Anseia, o inocente útil, em se portar como vanguarda, mesmo que embrulhe os braços e pernas nas cordas da marionete que se tornou.

O inocente útil adere, sorrindo, às ideias manipuladoras pré-concebidas como o chiclete da calçada na sola do seu sapato velho. Deleita-se em apontar o dedo para pessoas que, conforme o patrono ensinou, são contrárias ao modus operandi que tripudia diariamente do próprio inocente útil, ainda que este sinta somente cócegas previamente combinadas com seu adestrador e mesmo que os tais divergentes postulem causas que beneficiem desde o inocente útil até toda a coletividade. O inocente útil crê, com os pés juntos e as mãos espalmadas, que a mágica dos que os comandam é capaz de tirar da cartola o supra-sumo de todas as suas necessidades.

Por exemplo, o inocente útil acredita dilacerantemente que o sistema educacional lhe é ofertado para ele e sua família se educarem, sem ter em mente a mínima noção de como distinguir o que é transmitido nas escolas do condicionamento imposto para controlá-lo, adestrá-lo e fazê-lo obedecer, sendo tão hipnoticamente enraizados o controle de obediência e o condicionamento nas tais instituições escolares, que sequer o inocente útil notará caso seus alter-egos comandantes alterem o formato do mundo para o de um abacaxi, com coroa e tudo, levando-o a jamais acreditar na forma anterior do lugar onde vive, gargalhando, como um títere, de quem disser o contrário. O inocente útil não enxerga, mesmo que lhe retirem as pálpebras, as mensagens escondidas como víboras ardilosas nas escolas, nos programas na televisão, nas propagandas e nas redes sociais. O inocente útil se presta e funciona como um robô de um chip só, programado para propagar informações, desprezando a reflexão, a interlocução e o conhecimento, que são as chaves para as verdadeiras e absolutas liberdades pessoais, financeiras, emocionais e profissionais.


Cegado pela fumaça da ignorância que inala, provinda das casa-matas dos influenciadores, que obstrui seus neurônios,  tornando-o servil, obediente e com menos capacidade de discernimento que um poodle, para o inocente útil qualquer pessoa que apresente opinião diferente ou divirja do establishment usual vem a ser alguém pertencente a um grupamento de celerados facínoras ávidos por balbúrdia e adeptos de sangue.


Os inocentes úteis, na grande maioria das vezes, são só isso mesmo. Inocentes, e úteis a uma causa, que na verdade não sabem qual é (as verdadeiras, as que estão ocultas, eles desconhecem), mas como lhes são apresentadas com toda uma roupagem costurada com os valores e princípios que lhes são mais caros, eles as incorporam integralmente, como uma esponja viva, não só na mente, acreditando nos símbolos e signos daquele comando, mas emocionalmente, passando então a se sentir parte daquele grupo, ou rebanho, as pessoas que juntamente com eles, passam a sentir intensamente como verdade, como o 'bem' todos os mantras que lhes são passados pelos verdadeiros donos do conhecimento, do poder, os que movimentam os cordéis da manipulação social, e guiam essas dóceis pessoas, para cada movimento social e intelectual que lhes interessa, no grande jogo de xadrez que é o jogo pela conquista das mentes.



Esses inocentes não são pessoas más, ou desprovidas de inteligência, ou caráter, ou mesmo vontade. O inocente útil anseia por verdades, alvos de vida, coisas para acreditar e seguir, e se um determinado grupo ou corrente lhe é apresentado, sistematicamente, como um signo do mal absoluto, capaz de destruir sua vida, seus valores, sua liberdade, temos a junção perfeita para uma catarse pessoal e social, a formação de um rebanho: o medo, e as crenças das pessoas, nos seus valores ameaçados.
No meio desses rebanhos sociais, repletos de gente do bem, pessoas boas, todos os reconhecemos entre nossos amigos e parentes, existem os que se permitem facilmente, muitas vezes sem perceber, atingir a paroxismos de sentimentos, quando então explodem, exacerbados, o ódio, a agressividade, o nojo, o medo, o preconceito, a divisão social, a violência, o descalabro saído dos porões.
Alguém conhece mistura mais explosiva do que essa?
Quando uma parcela considerável da sociedade atinge esse estado deplorável, pouco há que se fazer, até porque os antídotos existentes, só agem no longo prazo, décadas, às vezes, educação, e a construção do hábito do pensamento crítico e independente. Que o digam os alemães do pós-nazismo.
Os inocentes úteis têm algumas regras fundamentais que os norteiam e antolham as vistas sob o arreio bem esticado. Diz-se que são três, embora eles acreditem piamente que sejam dez, como os mandamentos bíblicos, face à incapacidade de discernimento que acoplou nos seus neurônios. Primeira regra: jamais percebem sua condição, mesmo que o Todo Poderoso lhes confira seis pares de olhos como as centopeias, nove dúzias de orelhas e três cérebros. Segunda regra: sentem-se parte do grupo que lhes oferece cartões de ponto como conhecimento, mordeduras e antolhos como distração, chicotadas como afagos, vinagre como água, feno como pão e estábulos como casa. Terceira regra: admitem e absorvem como suas todas as informações repletas de bolor e mofo que são enfiadas em seus ouvidos e esparramadas sobre seus olhos como pasta dental vencida. 

Mesmo assim, no geral, os inocentes úteis são excelentes pessoas, como já se disse alhures. São tão boas pessoas, que se sentem incapazes de mudar de opinião acerca do establishment que as controla, ainda que, de dentro deste, enxerguem vísceras tão expostas quanto os lixos que abarrotam as latas nas ruas, e que, de tão fétidos, pútridos e descartáveis, os cães vira-latas desviam.

O fenômeno tem se espalhado de forma endêmica a tal ponto que os cientistas sociais estimam que, num par de décadas, os inocentes úteis representarão mais da metade da população mundial, disposta, apta e treinada com coleiras e chibatadas mentais, verbais e ilustradas para servir aos poderosos que, entre boas taças de cristal e poltronas confortáveis, concebem o que os inocentes úteis devem ver, ler, saber, comer, fazer, cumprir, servir e receber, decidindo o destino deles e de suas famílias, em amplas salas em suntuosos prédios nas avenidas bonitas das cidades.

A recomendação feita pelos cientistas para curar ou frear o ímpeto avassalador e contaminante do fator inocente útil é simples, direta e, creem eles, eficaz. Caso você conheça algum inocente útil que tenha a boca, as mãos e o cérebro assomados pela praga, diga-lhe: abra um livro, leia e reflita sem moderação, mesmo sob o risco do inocente útil vir a utilizar o volume oferecido como arrimo do pé quebrado da cama. Vai que um dia ele tropeça nele e, mesmo irritado,  acende a luz, se ilumina, e decide começar a ler algumas páginas...

Juvêncio Marins é escritor, jornalista, professor e magistrado. Co-fundador do Movimento Libertologia

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